sábado, agosto 30, 2008

Fecha-se a porta, ligam-se as mangas. Nunca foi sobre isso. Um passo para trás. "Para que os olhos verdes, se os posso ter vermelhos, e se o vermelho dos meus olhos, vem do verde da natureza". Outro passo atrás. Embate. Uma porta tão fria que escalda as costas através do tecido. Óleo mancha o tecto. Nuvem forma-se de dióxido, quase pútrido. 'De que serve se não me ouvem?'. Eu. Fui, sou, serei: não sei. O chão foge a meu pés. O vapor cai, formando uma carga sobre os meus ombros. Sabe a metal. 'Tu.'. Sinto os olhos a sair da órbita. 'Para quê voar com asas cortadas sem gaiola, quando tudo o que tenho é éfemero'. Acelera o paço.'Foste tu quem me tirou.' Sinto o calor da nuca a descer pela espinha, lentamente. Arrepias. Estimulante talvez. Os joelhos tremem e tem de se reunir mais. Levanta-se. Firme e hirta. Para. O óleo inunda o tecto e começa a verter.Um passo atrás. Suspira profundamente. Corre com todo, no que parecem horas.Em escasso segundos embate com a parede. Dor? Essa, só a há na alma. Estrebucha. Silencia-se...
'A Ingenuidade fui eu que a matei a teus pés.'.

sexta-feira, agosto 29, 2008

Permanecer

Há medida que o tempo passa, passou, traz consigo muito. O ser nunca é um só nem um único porque está constantemente a mudar e ninguém pode impedir isso. Como o mar, que vai e vem, muito traz, e possivelmente ainda mais leva deixando estes insignificantes seres na sua " gloriosa miséria". Não lhe chamo tristeza e muito menos merece o nome de dor. A glória da nossa maneira de continuar intócaveis, permanecendo estragados á medida que o tempo passa, a podridão se apodera, o vapor de água enche os pulmões, sendo expulsado de seguida por um sopro imenso vindo da alma, não do corpo. Mas que é isto, alma? Uma mera palavra para nos dissuadir dos nossos interesses, acabando. Permaneço assim, intócavel.

segunda-feira, agosto 25, 2008

Este mar

Penso muito. Benevolente mente. Como essa gente passa ao lado de tanto conhecimento, ele foge também. O paladar artístico da mente é insaciável, e no entanto tanta gente, e cada vez mais, o fecha, como quem fecha um jarro de compota. Quem ousa esconder a sabedoria mais incrível deste mundo? Querem ser engenheiros e doutores sem cor, sem luz, sem satisfação nas suas íngremes carreiras por esse caminho árduo cujo solo árido não demonstra companheirismo. Causam a bênção de usufruir e explorar uma vida num sofrimento, um desejo de acabar com aquilo que lhes foi oferecido de força tamanha que acaba connosco. As forças esgotam-se rápida e facilmente, talvez menos do a paixão de viver. Já não há revolta nestas vidas. Quero apenas saber e admirar a esperteza de quem restringe a arte aqueles que a respiram. A coragem de quem ousa o mundo fazer perder uma das suas maiores glórias.
Oh, eu sou apenas mais um peão contra aquilo que ninguem parece prever e acontece debaixo dos nossos narizes...

sexta-feira, agosto 22, 2008

Mãe

As mães são criaturas estranhas. O que fazem, o que comem ninguém sabe ao certo. Se elas pensam, não há quem o possa confirmar com certeza; só se pode afirmar que cumprem o seu papel de contradizer a criança que de si nasceu Estudos recentes indicam que pertencem à mesma espécie que os restantes seres humanos, mas a população permanece céptica em relação a este facto. Por outro lado, nenhum estudo até á actualidade conseguiu explicar a forma como a mente destas criaturas funciona. Mas, de uma coisa podemos todos gabar-nos de ter a certeza: são de certo a criatura mais irritante que existe a face da terra e arredores.
Definição de mãe,
da autoria de Joana Mariano e Mariana Oliveira.


As autoras querem ainda especificar que não nutrem qualquer tipo de sentimento negativo pelas mãe espalhadas por este mundo fora, quiçá universo, especialmente não nutrem qualquer tipo de ódio ou rancor pelas suas próprias mães.
Concordaram ambas, pela forma deste texto, transmitir ao mundo a complexidade das criaturas maravilhosas que são as mães.
Ainda hoje não se pode afirmar que esta seja uma definição completa sobre estes seres porque a cada momento que passa, as mães surpreendem-nos cada vez mais.

O amor é uma conveniência

"Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam"praticamente" apaixonadas. Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."

"Elogio ao Amor", Miguel Esteves Cardoso in Expresso

quarta-feira, agosto 20, 2008

Dia Branco

Fecha-se a porta ao ponto de rachar a ombreira. Vasculha o casaco de quáqui, até encontrar. Garganta cortada pelo vento gélido e frio que se fazia sentir antes daquela data inútil e comercial. Abre a lata com todo o cuidado, retira um cigarro e começa a impertinência uma vez mais. A cabeça, essa está livre. O fumo enche os seus jovens pulmões de uma sensação livre de espírito. Não há pensamentos, pelo menos decisivos para o que o persegue. Rápido, num movimento já habitual divisa as horas, notando que está, uma vez mais, atrasado. De nada lhe vale, pois nem um sermão lhe serve para alimentar o espírito de qualquer forma. A preparação para o que se segue é infinita, mas não trabalhada. Sente a sua veia derreter, enquanto o cigarro forma uma sensação calorosa, como a de um creme para aliviar tendões do esforço, enquanto apagava a sua chama em si mesmo.Entra sem partilhar qualquer palavra. Espera. 'Até quando continuará isto?'.Está desesperado.Até os companheiros de uma vida estão silenciados aos olhos deste escravo da comunidade.'Á noite todos os gatos são pardos'.Deixou-se cair na sua insignificância, esperando pela sua ajuda.Dirige-se á prateleira de revistas, vasculhando. A campainha soou no momento combinado pela mística Noah. Sempre com a sua avante sobre Deus, que conheceria o destino de todos nós. 'Será?'. i-D, Egoísta, Design ...Um zumbido entra pelo seu canal auditivo, formando uma sensação que parecia queimar o seu cérebro. Um flash de imagens e sons ecoa na sua cabeça, formando uma gigantesca enxaqueca. Fecha os olhos repentinamente. Repentina mente. Engole o mais intragável dos comprimidos para dissipar a sua dor. Silêncio...Abre os olhos e volta ao mundo, impávido. Olha para trás e capta algo que segue até ao café. Lá estava uma vez mais. O seu intragável, e sempre vencedor, orgulho não o deixava levar a sua avante. Pegou na Egoísta e deixou 20 euros em frente da ajudante ao balcão, sempre sem retirar os olhos da mesa de café, sem dar nas vistas. Pensou no que a poderia ajudar, se o problema em questão era pessoal, difícil de racionalizar. Embora para a sua companhia tudo fosse fácil de racionalizar, mesmo aquilo seria um problema difícil, nem as suas 'filosofias da treta' podiam ajudar. Desistir não é a solução dos problemas, mas evitar este conflito traz-lhe paz. Assim que o câmbio estava terminado, esquiva-se pela porta principal para não ser notado por almas e olhares alheios. O Espiritismo fundia-se com a ciência, embora a avida mística desacreditasse a ciência. Oh, sábia... Leva-o a crer desacreditá-la, embora ouvir as suas ideias seja delicioso.'Impossível, simplesmente.'. Física e Psicologicamente. Enquanto caminha pela calçada, espezinha acidentalmente um objecto de metal. Agacha-se para o apanhar, reparando nos seus trejeitos lapidados e bonitos. Símbolo da paz e da liberdade, esperança para aquele que a tinha encontrado por mero acaso. 'Na Bíblia está escrito que Noé libertou uma pomba para encontrar terra firme após o dilúvio divino, voltando esta com um ramo de oliveira no bico.'. Puro e livre. Será que Noah tinha razão? Prende a pomba de metal com um bico pintado de branco pérola á sua corrente, escondendo-a debaixo da camisola. Noah conhecia-ao. Sabia que evitar-se era raro, pelo que falariam mais tarde. Ao longe avistou um fumo branco, seguindo-o. Mística saberia que caminho percorrer.

sábado, agosto 09, 2008

White.

"I wish i were a Warhol silk screen
Hanging on the wall
Or little Joe or maybe Lou
I'd love to be them all
All New York City's broken hearts
And secrets would be mine
I'd put you on a movie reel
And that woul'd be just fine"

A confusão já se tornou um estado de espirito. Não é renconfortante, com certeza. Deprimente, mesmo. Sons ecoam na minha cabeça, formando ondas de dor dos meus olhos á minha nuca. Estar confusa e não saber o motivo que me remete a este estado.
Estou distante. Ainda bem. Estou sentada na mesma cadeira, a escrever como sempre. Mas a milhas daqui...
E mesmo a milhas tudo é confuso. Enfim. Não posso apanhar um avião e fugir de mim mesma, pois não? Senão já o tinha feito. Por agora tenho de fugir comigo, aprender a não me evitar, porque me esgota os sentimentos e a força de espirito e já não aguento mais.

A esperança não é para mim uma virtude, mas sim um defeito.




Adeus .

quinta-feira, agosto 07, 2008

Nada Land

Parecer normal aos olhos da multidão,
trazendo uma imensa podridão.
Invoco assim a razão
do meu ser.

Ser quem sou, mas ninguém me reconhecer.
Esconder isto traz dor. Não vale a pena tentar explicar porque já nem eu sei que palavras usar.
São tantas, mas nenhuma serve. Para quê? Escrever sem sentimento? Não traz felicidade, não melhora as coisas não tira peso da consciência.
Nada.
É isso que tenho dentro de mim : nada.
E embora seja uma palavra tão insignificante, sem significado dói. Doí tanto...
Tenho medo...que possa ser, degenerativo.

Um véu cinzento deixa-se cair sobre os meu olhos e tudo fica sem sentido

«...Body that curls in and dies
And shares that awful daylight
...»

domingo, agosto 03, 2008

5 Ghosts I

Um ar peculiar, embora triste. Não há vontade de esboçar um único sorriso com os cantos da boca "de mimo". Os olhos esboçam um vazio profundo, vindo de dentro. Doí. Alguma coisa, doi mesmo. Intrigada, anda na lua. Sem atenção para nada, minuciosa aos pormenores. Repara em tudo, mas não vê nada á frente, de facto a sua visão nem é a melhor devido ao estigmatismo.
Anda lentamente pela rua, quase se arrasta. Ruídos de fundo invadem mais a sua atenção do que os próprios murmúrios de gente que a rodeiam. O som da sua respiração é tenebroso aos seus ouvidos, embora silencioso. Anseia por pará-lo.
Passa pelas tasquinhas e lojas suas conhecidas, invulgarmente abertas até aquele momento. Passa pelo terreiro, dando a volta do costume até á praça.
Chegou. O som do saxofone mistura-se lindamente com a percurssão e estimula mentes. Entrou num café, como sempre apinhados mas nesta noite pareciam ainda mais. Muitos conhecidos, nenhum interesse. Decide juntar-se ao "povo", em torno da banda de jazz. Observa-os minuciosamente e ouve com os olhos até ao fim da actuação. Delicia-se com cada nota.
Fim?
Não sabia. Começa a andar, involuntariamente mas com vontade. Anda devagar mas com pressa de fugir dali. Confusão mal nenhum lhe faz. Mas a sensação de não ser desejada entre desconhecidos por ela mesma.