sábado, novembro 22, 2008

Cinza

Datado de nenhures, representado com acordeão. O silêncio passeava-se por entre os ruídos motorizados que afundavam a melancolia. Gemi, neste canto estaria de novo, iluminada pela vitrina que se fazia passar por tecto. Erraticamente susceptível, ouvíamos pombos a esboaçar.Passavas pelo som, por vontade do vácuo que se estendia no cubículo onde então não havia mais nada senão a cómoda, seres. Deixavam-se abater cadáveres, quem colheria tais animas moribundos? Nessa calma de espírito ousava tocar-te, ‘Le ballon de João monte, monte par l'air. Est heureux le petit à chanté. Venait le vent à souffler prend le ballon par l'air. Il reste alors João à pleurer. Il tombe, tombe, ballon, tombe, tombe, ballon, Dans la rue du savon. Il ne tombe pas non, ne tombe pas non, ne tombe pas non, Tombe ici dans ma main’. Não te chamava, nome não os havia, não me mexia, movimentos evaporavam-se. Não havia a veia que agora sobressaia, saída de um quase negro, não havia o esquecimento de sentido que havia por ti assim que te imaginava na verdade, constante. Nunca o devíamos ter feito, agora já fora…Foste o cravo que penetrava a minha carne durante todos este tempo, já não estavas, se foste mais que um cadáver vivo. Não se tocavam e no entanto não se separavam da plenitude que os consumia. Desconsolo, momento em que me esqueci, por tantas vezes, das paredes que nos cobriam e resguardavam da desintegração.

Remexia insignificantemente a colher no café, despreocupadamente em delírio. ‘Sabia que não serias mais do que uma pedra desde que te recebi’. Juntar, remeter, tentar não tinha valor. Juro que te senti ao pé das estantes mas não eras. Tremia, titubeávamos. O gume já não me picava, a demolição acabara por chegar. Não sabia onde ir, onde chegar. Atirava-me ao ar, aglomerado que me recebia…O edifício, esse, continua de pé, á espera de quem acabe com a sua solução.

quinta-feira, novembro 20, 2008

Vegetal

Há a auxiliar de infância, os senhores da hidromassagem, uma idosa, o marroquino. Eu não existo desde o momento que entro por essas portas de vidro baço. Azulejo e de novo posso ler “Vestiários” escritos em autocolante por alguém que não sabia o que fazia. Passo a um peso morto, inalo o ar quente, sinto o sangue abrandar. Refrigério santo. Pequeno corredor raquítico banhado de cerúleo, um extenso banco diminui o pouco espaço existente. Parece gás o que me dilata no meu ser, expande o meu horror. Caiu como um peso morto, braços pendem lado a lado. Vista circundante sem qualquer controlo. O coração corre loucamente numa sensação arrebatada pelo atraso das minhas veias púrpura que se estendem ao logo do cadáver. Sendo que tudo permanecia, não havia culpa de nada. Burburinho, murmúrio, ruído, sussurro, rumor irrompem os meus tímpanos como uma folha cai forçosamente até á calçada. O cerúleo foge para se mutar numa turquesa. Estico o pescoço, articulações como pedra mal me permitem mexer. ‘Percorria á beira-rio, caminhos vastos sem fim nesse nevoeiro. 'Il a fuité. Oh, cruelle couardise… ‘‘. Passado perfeito em ruínas, invisíveis agora que a neblina em que corro esmorece em branco., o sofrimento não esgota mais este miolo ao qual a pena já foi dada antes do perfeito ser presente.


segunda-feira, novembro 17, 2008




There are some mornings when the sky looks like a road
There are some dragons who were built to have and hold
And some machines are dropped from great heights lovingly
And some great bellies ache with many bumblebees
And they sting so terribly
Clam Crab Cockle Cowrie, Joanna Newsom

quinta-feira, novembro 13, 2008

Escorrem neste mar, Remexem me no ar. Arteirices, Nada mais. Mistelas da massa cinzenta, atropelada na ignorância. Tal como vida, assim rabiscaram "Andar de skate é tomar impulso, atravessar a rua, subir e descer as calçadas, dropar de um lugar alto, improvisar, equilibrar, saber cair e depois levantar." Falado, escrito, lido, tanto faz o que a nada leva. Passemos então sem pensar, trânsito mental atrasa cada vez mais. Já não digo nada de nada, a cabeça já me dói de tanta parede. Serão folhas de acanto o que trabalha o capitel de colunas que nos sustentam? Somente restos vegetais - isso posso afirmar - que se limitam ao infindável pensamento da existência, espera o escrúpulo sem demora.

É só mais um desespero escrito em papiro, de questões insaciáveis, inevitavelmente remexidas fortuitamente quando se lembra do que é ser um ser.

quinta-feira, novembro 06, 2008


Corremos escada abaixo, como se nada nos prendesse. Éramos presos em liberdade. O que fomos, jamais seria. Era agora que se constava, onda impetuosa. Já fomos, não somos. Estava estendida por baixo da cerejeira, espera quem a levasse. Vento. Foi e veio. Continuei alinhada com as raízes, nao me mexeria mais. 'Quando o sol se pusesse, dariam pela morte de um fim'.

terça-feira, novembro 04, 2008

Calçada

Passo calmo, retardado á medida que as mentes se abrem ao sol caído, ou seria só sua.Dantes era importante, agora pisa e repisa sem pensar na dor.'Dor:Definição tão vaga como vida'. É dela o que fazem, se o que fizerem for colapsar e fugir. Não fugi por mim, nem daqui me mexi. Expectava mas não esperava, o que foi havia de ser predestinada mente. Quem lapida não seria eu, nem tu, ele. Único de sua força que nos arrastava pelas pradarias, sofridas de sua beleza, protectoras do escondido a vós senhores. Neste tempo as fotografias são a preto e branco, mas há cor mais cor que nós, sépia de nós. Fugíamos ao embaciado, corríamos sem deixar a água travar nos. O microfone gravava. Límpida, cortava veias geladas, remexia e dava casa aos imóveis. Escondia-se em sim mesma, imensa. E continuava a gravar. Até que travou. Escorria suor pela armação dos teus óculos, escondendo pálpebras entreabertas tremendo. Não. Fomos mais espertos, mas nunca foi esse o nosso ponto forte. Deixados, elevamo-nos nessa matéria líquida que nos abraçou nos céus da noite. As nuvens caíram nesse dia porque tu saíste, eu fiquei. E o microfone gravava, mas ninguém ouvia. Era bonito, o que nos mostrava. "Fomos meros sons", disseste. Para vós, era o mar, as ondas, os rios, deleito fluvial majestoso. Correm sem pensar, desgastam pedras. Pedras. Sim, fomos. Pedras desgastadas, partidas pela força do imenso, que nos separou e colou a este chão. Porque agora há cor, mas o som continua branco, como quando gravei.

sábado, novembro 01, 2008

Claire De Lune

O vento passava rompendo as nuvens, interrompidas pelo azul.Estiquei um dedo. Na iminência do que sei, nunca me confiava nada. Dobrei a mão, mesmo erro de novo. A chuva ocupava a mancham, expandida pelas portas. Decidi Observar. Um gesto, serenidade. Um só gesto para nós. Contrai a barriga, leva a mão pelo tronco, envolvendo a sua cabeça, estica. Rápido e gracioso, dobra o cotovelo para o iminente em queda, para. Gira o teu peso, rodeia sem firmeza. Estica-te como a árvore que te afirma. Um gesto. Observo-te como um pedaço de podridão, prestes a perder o que não pode levar mais além. Não havia água para nós, será que havíamos? Libertei a caneca e os tecidos escorregaram. Espeto a agulha com firmeza, sente-se morno e flácido. Penetra-te os poros, sem reacção. Formam-se vultos, mas nada flui. Já fluis-te o teu rio, que congela simplesmente. Já fluis-te, só resto eu.Ignoro a tua paz, continuo anestesiada. Tremo a dizer estes caracóis ainda imundam o teu espírito. Estas verde a meus olhos nocturnos, pálpebras arranhadas pelo tempo. O sorriso esboça-se na tua seriedade plena na tua tela, que não é de mais ninguém. Minimalista, o toque forte contra as cordas agrava o espaço. Corre a mancha por mim, respiração pesada. Tremes. Mereces, porque eu não entreguei. Como o polícia que nos arrastou aqui dentro, porque amor é não haver polícia, suspiras sem pulmões. E assim se vicia o ar do som, que nos escapou cedo demais.