sábado, dezembro 20, 2008

Ablepsia, Anopsia, Ignorância.

'Tentei ligar, mas fugiste uma vez mais'. Repetiste-te e pegaste no pincel, pintas-te sem saber, deixas-te me escorrer. Estava solarengo e as janelas entreabertas deixavam o espaço amplo esmorecer, caia água por entre a telha formando monotonia. Erraticamente desesperado, abri os tímpanos ao afagar a estafa «…Na sua 1ª aparição, a China ganhou medalha de ouro em Voleibol, é….». Pisei o sangue que se expandia ao longo do tempo, florescia de fora para dentro deixando a flora inundar o ar. O tacto esmurrava calmamente a pintura, a cólera reagiu-me. Correra mais um dia sem eu cair num campo proibido. Podia tentar adivinhar o tom, frio era como o toque - um toque de roxo frívolo talvez? Tentação de chamas movidas a anos de luz, invenções e lembranças distraídas, um rebanho move. Esquecimentos repugnados entranham-se na calçada ao caminhar. Já não sinto medo, continuo a embater em ti, nele, em todos vós. Dificilmente entro passando pelos degraus de mármore e a abertura da porta, só o odor a massa e o doce café granizado. Vieste e guiaste-me mais uma vez ‘Já não sei a textura, recordo a cor’, rangia e deixaste-me só com o infortúnio destinado imaginado, pintado por corda. Autómato, nada mais que um boneco de corda de outros. Agora que entendo mais sem ver, o que antes vi recorda a tolerância. Nada mais que um panelão vazio, audição que valia a vida. Tacteia pelas cordas, calma. Puxei um dedo, milhões de flashes que se desatavam em mim, o som característico enchia a sala imensa.”Achas que as pessoas surdas vivem mergulhadas num silêncio infindável?”, haverá sempre som com ou sem ouvidos que se deliciem com ele, dizia. Ah, as imagens, …a harmonia não é relembrada assim, pois chegou com a mesma perda que a todos custa menos ao sofrido. Sentia o arranhar com mais força que nunca, brechas abriam para o deixar circular mais além. Os sininhos tilintavam e eu aumentava a corpulência. Entranhava-se por estímulos eléctricos, arrepiava-me a pele, os pratos rangiam tocados por espuma, o sopro fazia o metal aquecer, estava composta duma vida só… Estava para ali sentado, remexia estupidamente algo que nem conseguia materializar, tremia ao metal frio. A última visão tinha sido o relógio, e depois… depois quem me matou a forma de ser, explique a forma de estar. Após trinta anos foi-me roubado o legado acostumado à vivacidade irada que um dia me pertenceu.

1 comentário:

Anónimo disse...
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