domingo, maio 09, 2010

Linha

Sou uma linha. Rescrevendo-me e contorcendo horizontes finitos, palpáveis ao cego olho que me sacia a languidez. Havia reescrito a minha intriga, -só nos pontos se conta a minha glória- vendada por pétalas. Sou uma linha, desenhada em pedaços de madeira em tempos de árvores cerradas, resquícios de fragmentos sonoros de um uivo débil que me foge da fricção das vértebras, apoderando-me de uma voz, não tão minha como de outro, arranhadas e pecaminosa. Desço-me pelas pálpebras que fixo na madeira a tinta-da-china, esticando-me em duas cordas paralelas. Sou uma linha; afogando-me em tinta e dilapidando a ansiedade em letras ilegíveis, tanto quanto a minha pouca sobriedade, poupando as recriações em marcas negras na pele do autor. São nódoas que me saciam a valsa de tantos tempos como a maresia e a devassa moléstia, criam-se uma mania de ortogonalidade fugida às reentrâncias de ditadores fechados em quartos de pastel, dedilhando a minha figura em borrões, despindo a contradição e a robustez, tão típicas ao meu ser desajeitado. A prudência de me inquirir mais que uma miscelânea de pontos e formas toca harmoniosamente a minha tela, rasga a imbecilidade do erro recorrente de acompanhar a criação, cuspindo desprezo sobre a tradição. Contorno-me em círculos perfeitos, voltando ao remate original, perdendo-me os olhos, perdendo-me as falanges e as vértebras, friccionando a incoerência com a perfeição de ser uma simples névoa redonda de toda extinção dos fenómenos que canto. Sou uma linha. E o que posso fazer? Tudo.

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